quarta-feira, 29 de junho de 2011

PRÁTICA - LÉO MUSSI - 28/06/11

"ONDE HÁ ANGÚSTIA HÁ DESEJO"





Atores:

RENATO, ANTÔNIA, NALOANA, EDU, LÉO FRANÇA, RAFAEL E JÚLIO que substituiu o FELIPE, (que deu WO). 

Os atores ficaram sentados em uma fila de cadeiras de frente para um microfone que tinha 08 girassóis amarrados em seu pedestal (e ficou vaga uma cadeira no meio simbolizando o WO da LUCIANA RAMIM). E em uma fileira lateral ficava a plateia.











São Paulo, 28 de junho de 2011.



            Nanaqui,

            Suas cartas despertaram em mim inquietação e desejos. Levaram-me também a refletir sobre a condição da arte, do teatro, sobre a minha condição; o que me trouxe à lembrança as palavras de uma amiga, citando Paulo Freire: A Educação não muda o mundo. A educação muda pessoas. Pessoas mudam o mundo.

            Substituindo a palavra educação por arte, teatro...  A arte muda as pessoas? O teatro muda as pessoas?

O teatro me muda? Eu mudo o mundo? Não quero ser pretensioso, mas um ser que pretende ter ações efetivas.

Como posso pretender com o teatro mudar algo, se eu mesmo não mudo em contato e em relação com o teatro? Ou mudo? E se mudo, mudo permaneço ou gero mu-danças?

Suas palavras ressoam em minha cabeça, meu corpo, meu espírito. Se o artista é aquele que pode possibilitar a ligação com o divino e o sagrado, por sua vez acredito, não o faz senão por uma intempestiva relação profana. Iluminando e, paradoxalmente, trazendo à tona as sombras.

Suas idéias me questionam sobre minha responsabilidade para com o mundo e para comigo mesmo. Sobre como respondo com meus talentos e capacidades ao que me é atribuído. A como criar e ter ações concretas e responsáveis para comigo, a arte, o teatro, as outras pessoas. Como?

 

                                       Carinhosamente,

                                                           ...

Após ler esta carta, LÉO MUSSI, que havia pedido para que todos os atores viessem de casa com roupa de gala, lançou um desafio a seus atores:

Que pelo tempo de uma hora ele deviam permanecer sentados e que poderiam levantar só se fosse para fazer uma ação artística que de fato mudasse a vida de alguém. O que conseguisse realizar a ação modificadora teria direito a resgatar um dos girassóis e caso o contrário a morte inevitável dos girassóis dali 5 dias cairia sobre as costas dos que não realizassem.


Deixou tocando BEATLES por uma hora. O fim da trilha determinaria o fim do exercício.

O 1º a fazer sua ação foi EDU BRISA – O DEDO DE DEUS, um monólogo de sua autoria, colocando em cheque o que ele faz fora dali dando o que lhe parecia se não com a potência de mudar a vida de alguém, mas com a potência do que se tem pra dar.

O 2º foi RENATO – Ele resgatou um dos girassóis e se dirigiu até a estação de trem do Brás e ofereceu o Girassol para uma moça que varria a estação. A moça estranhou no início, mas o Renato disse a ela que era apenas um gesto de amor e ela aceitou e ficou visivelmente transformada.

A 3ª foi NALOANA - DARLUZ  -  Conto de Marcelino Freire
É O que ainda acredito no Teatro
Tem coisas que precisam ser ditas, ainda
Tem trocas que precisam ser feitas, ainda
Tem descobertas que precisam ser alcançadas...
Um dia.
Haverá transformação?
Sei não.

Essa angústia nos perceguirá por um bom tempo... ainda. 


A 4ª foi ANTÔNIA- canto pra oxalá;
É uma música que me emociona;
Ele é o maior de todos os orixás;
“O SENHOR NOS FAÇA GRANDE COMO O SENHOR É”


O 5º foi o JÚLIO - UM CORPO SÓ –SÓ UM CORPO – SEM ROUPA- SEM NADA – SÓ UM CORPO – PASSANDO FRIO – MUITO FRIO.

Ele se colocou em relação aos espaços da escola sem roupa, fazia muito frio e ele dizia: MENOS, MUITO MENOS! TUDO É MUITO, MUITO MAIS - PEQUENO – NANO – NNANO – MENOS MUITO, MUITO MENIS – TUDO É MUITO MAIS PQEUENO! –NANO. UM CORPO SÓ UM CORPO.
Na discussão depois do exercício ele disse: O que apareceu em todos nós foi uma busca dos  nossos repertório e colocados aqui à prova, fora de contexto – Acho que é onde a gente pode se agarrar.






LÉO FRANÇA E RAFAEL NÃO SE LEVANTARAM.
E SÓ O RENATO RESGATOU SEU GIRASSOL.


Trecho de O DEDO DE DEUS de Edu Brisa - e -  DARLUZ  -  Conto de Marcelino Freire



O DEDO DE DEUS

Quando eu nasci, papai do céu apontou o dedo... Quando eu digo papai do céu, eu quero dizer Deus. Tá? Então: Ele apontou o dedo pra mim, e disse: TÁ FUDIDO!
Quem sou eu? Me diga você quem sou eu. Olhe para mim e tire suas próprias conclusões. Não. Melhor não. Vai que você me julgue mal por me ver aqui nesse trem, PARADO, nem cheio nem vazio. Olha pra ver: tem metade do trem dentro da estação e metade fora. Eu to na metade de fora. Aqui é o terceiro vagão do final pro começo ou o antepenúltimo do começo pro final, você escolhe. Ta vendo essa dona aqui babando no meu ombro. Bonita não é? Achou bonita? Achou mesmo? Pega pra tu. Todo dia essa mulher senta do meu lado e baba no meu ombro. Eu fico pensando será que eu acordo ou não acordo... Ô dona! Vai dormir em casa... Aí ó. Viu? Ela agora vira pro outro lado, mas já ela despenca no meu ombro de novo. Um, dois, três... Já! Viu? Parece que sou “cagado” de urubu... Saí hoje não era nem dia, era madrugada! Pra procurar emprego. Olha a hora que to voltando. Passei o dia inteiro andando com esse sapato que engole a meia.  Alguém aqui já teve um sapato que engole a meia? Pois é. Ele engole a meia e eu puxo a meia, ele engole a meia e eu puxo a meia. Que ver? Olha só, parece que eu to sem meia, mas eu to de meia. (puxa meia) Ó aí, tá vendo a meia? É. Não tá lá essas meia, mas é meia...
Agora, estamos aqui, parados, esperando, por que tem um usuário na via. Pode uma coisa dessas?







DARLUZ  -  Conto de Marcelino Freire
Dei José, dei Antônio, Maria, dei. Daria. Dou. Quantos vierem. É só abrir o olho.
Nem bem chorou, xô.  Não posso criar. É feito gato, não tem mistério. É feito cachorro de rua. Rato no esgoto. Moço, quem cria? É fácil pimenta no cú dos outros. Aí vem a madame, aí vem gente dizer: arranje um trabalho. Arranje você. Me dê o trabalho, agora. Não sei ler, não sei escrever, não sei fazer conta. Nos dedos da mão a gente conta: José, Antônio, Maria, Isabel, Antônio. Dou nome assim só pra não me perder. Quem mais?
Evoé, Evandro.
Agora chamem como quiser. O filho depois ganha vida importante. Sei de um que até é doutor sei-lá-de-quê.  Eu estou pouco me lixando.
Menino é para largar mesmo. Agora dizer que dá um peso no peito, a consciência chumbada, que nada. Não tem essa. Vem você morar nesse buraco. Vem você dar um jeito no mundo, repartir seu quarto. Nunca. Esse olho é irmão desse. Veja Maria, pôs Jesus no mundo, filho do espírito santo. O pai largou.
Você viu como José sumiu, se evaporou?  Maria é que foi lá, no pé da cruz, se arrepender.  Eu, não. Eu quero mais é distância.
Você ter filho chorando, no seu pé. Fome, está escutando? Fome. O que você faz com a fome, tem remédio?
Agora é fácil opinar nesse bê-á bá. Sei que quando morrer não vou para o inferno, já estou aqui. Só saio daqui para outro canto. Falo isso para o Altamiro. Ele ri. Meu quarto marido, Altamiro. Porra de marido. Só tem homem vagabundo no mundo. Por isso salvo os meninos. Faço mais do que o governo faz. Faço e dou destino.
Dou, dou, dou. Vendi a Beatriz no farol. A moça que comprou chorava de dar dó, um nó. A moça do carro abriu o vidro, o marido pegou e zum. Para nunca mais, como um vento. Para nunca mais, como um esquecimento. Cicatrizo tudo, entende? Meu corpo está vacinado. Agora a mulherada de hoje, na frescurinha. Ultra-som, escutar a batidinha do coração. Dão muita importância para o amor. Amor, quem me deu? Altamiro, esse porco? Já viu amor entre porco? Entre sapo? Entre pombo? Aí dizem que pombo é bonito porque o pombo se empomba, porque o pombo corre atrás da pomba. Fico só vendo esse derramamento. Bom é pombo assado e pronto. Pombo melhor do mundo. Pombo para a necessidade e acabou.
Dizer que ninguém abandona ninguém,Toda mãe é mãe até o fim. Tá aqui, ó. Sou mais mãe que muita mãe aí. Leva o filho para a escola e abandona. Leva o filho para o shopping e abandona. Para a puta que pariu e abandona.
Pelo menos fui corajosa, não fui? Tive peito, não tive? Fala. Quem assume essa postura, qual o filho da mãe? Vai, diz. Quem, menina?  
Agora deixar florzinha morrer murcha.
Já vendi até leite do peito, você acredita? Vendo. Teta, treta, entende? Alimentei aí um bichinho que a mãe não quis dar pra ninguém. Fica ali, agarrando o filho na miséria, pode? Peito tá morto, não tem leite? Eu dou.
Troquei por um sofá, não lembro. Fiz negócio. Quero ver quando esta peste crescer, quero ver. Só de saber que meu leite ajudou esse diabo a se foder.
E tem mais. Todo mundo é solidário. Mas na hora, olha, o povo é foda. Vem aconselhar pílula, distribuir planejamento. Quero saber o que fazem com nosso sofrimento. Vai, quem diz? Quem já foi infeliz? A moça do carro, a moça que levou Beatriz, chorava naquele momento. Mas hoje é hoje. Hoje é outro tempo.
Agora esse filho de uma jumenta vem pra cima de mim, o Altamiro. Marido de merda, entende? Vem aqui, tira o caralho do corpo, bêbado. Eu agüento. Tenho mais pena do caralho dele do que de José, Antônio, Paulo, Juscelino. Melhor que ter filho morto, tenho esse orgulho. Todos nasceram vivos.
Dou, dou, dou Altamiro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário